Por Fabiana Reinholz do Brasil de Fato
Assegurada pela Constituição Federal de 1988, a greve é um direito de todo trabalhador, competindo-lhe a oportunidade de exercê-lo sobre os interesses que devam por meio dele defender. No próximo dia 14, trabalhadoras e trabalhadores, oriundas do campo, da cidade, das mais diferentes etnias e classe trabalhadora de todo país vão sair às ruas novamente contra a reforma da Previdência e, acima de tudo, pela garantia e a manutenção de direitos conquistados através das mobilizações do passado.
Conforme é possível observar hoje, a classe trabalhadora no Brasil sempre foi muito heterogênea. Apesar da proeminência de trabalhadores de origem imigrante, vindos da Europa – em 1920, mais da metade ainda eram estrangeiros –, as primeiras décadas do século passado começa a ver origens distintas.
Além da forte atuação das mulheres, em 1917, há operários negros lutando e exigindo reconhecimento político para além das lutas de emancipação da classe trabalhadora. “Pouca gente lembra que o primeiro candidato a presidente de esquerda, no Brasil, Minervino de Oliveira, pelo Bloco Operário Camponês, era um marmorista negro que tornou-se liderança por meio das lutas dos trabalhadores na década de 1910 no Rio de Janeiro. Da mesma forma, a origem rural de muitos operários, que aprenderam ofícios e lutas pelas imposições do trabalho assalariado nas fábricas e nas ruas, indicam uma classe com alta capacidade de engajamento, mesmo em sua diversidade”, aponta o doutor e professor de história da Universidade Federal da Paraíba, Fernando Cauduro Pureza.
O surgimento das greves no país
A greve, enquanto instrumento de luta da classe trabalhadora brasileira, é documentada já no século XIX, por ações de homens e mulheres escravizados que paralisaram suas atividades, tanto em fazendas como nas primeiras fábricas, tais como no arsenal do Rio de Janeiro. Contudo, isso pouco aparece quando se fala das paralisações de trabalhadores e trabalhadoras. Para Fernando, essa parte da história foi deixada de lado por um bom tempo, porque o foco dos historiadores foi para as instituições da classe trabalhadora.
O conceito de grande greve geral vai se dar em 1917, quando a insatisfação acumulada dos operários deflagrou a primeira e maior paralisação de trabalhadores do país. Denominada como Greve Geral, teve origem em São Paulo e propagou-se por diversas capitais como Recife, Porto Alegre e Rio de Janeiro. A greve, que durou 30 dias e reuniu cerca de 70 mil trabalhadores e trabalhadoras, foi marcada pela forte presença das mulheres operárias, como analisou a historiadora Gláucia Fraccaro, autora do livro Os direitos das mulheres: feminismo e trabalho no Brasil (1917-1937).
A historiadora aponta uma intensa mobilização, movida em especial por questões prementes do custo de vida na época, no qual as mulheres passaram a ter um protagonismo que antes não se observava. Apesar das demandas variarem regionalmente, a luta por direitos era uma pauta bastante difundida nas organizações. Na época, os grevistas pediam a regulamentação do trabalho também às mulheres e jovens, a diminuição da jornada de trabalho, que na época poderiam ser de até 16 horas, e demais garantias trabalhistas.
Entre 1917 e 1922, observam-se diversas greves eclodindo nas grandes cidades. As dificuldades de organização e comunicação faziam com que fosse difícil vê-las como esforço combinado, como acontece atualmente. “Elas parecem remeter mais a um espírito de época, de insurgência e até mesmo de imaginário em relação ao cenário revolucionário na Europa. É bastante diferente, por exemplo, do que vemos na Greve Geral de 1962. Ali, por mais heterogênea que fosse a classe trabalhadora brasileira, você já vê esforços organizados e institucionais, nos quais a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) assumiu um protagonismo na liderança e na organização da classe, conseguindo resultados bastante promissores’, observa Fernando.
Entre os resultados dessa união no início dos anos 60, está a obtenção do 13º salário. Verifica-se também uma crescente e acelerada sindicalização no campo.
Novos ciclos de unidade
Assim como aconteceu com outros movimentos e organizações sociais, a ditadura que iniciou em 1964 trouxe um período brutal para a organização dos trabalhadores no Brasil. Somente em 1978 começou um novo ciclo de greves, bem como a retomada de lutas no campo. Conforme o professor de história, “essa retomada gerou novas formas de organização, uma emergência de novas lutas, a formação de novas centrais sindicais, a atuação de novos movimentos sociais, tudo isso deu a tônica de um processo de reorganização constante dos trabalhadores e trabalhadoras”.
Com o golpe de 2016 e os ataques aos direitos trabalhistas promovidos pelo governo Temer (MDB), uma nova Greve Geral foi articulada. Greve essa que demonstrou a nova rearticulação dos trabalhadores, do campo e da cidade, junto com estudantes e outros segmentos sociais, e que se projeta como ensaio para novas greves no governo de Bolsonaro (PSL). “Talvez ainda seja cedo para dizer se a greve de 2017 marca o início de um novo ciclo de lutas e de uma nova organização dos trabalhadores. Porém, a lição de todas as greves gerais ao longo da história do Brasil parece ser que elas são fruto da organização da luta de trabalhadores e trabalhadoras que, reconhecendo a sua pluralidade, conseguem unir-se em prol de direitos e conquistas históricas”, finaliza Fernando.