Os efeitos da reforma da Previdência no funcionalismo público foi pauta de debate no seminário promovido nesta terça-feira, dia 26, pelo Sindicato dos Auditores Fiscais do RN (Sindifern) junto com a PÚBLICA Central do Servidor, na sede do sindicato. O evento foi intitulado "Reforma da Previdência e seus impactos para os servidores nas três esferas de Governo".
A palestra principal do encontro foi realizada pelo diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), Antônio Augusto de Queiroz, conhecido por Toninho do DIAP. O representante esclareceu pontos sobre a reforma da Previdência (PEC 06/2019), ainda em trâmite no Congresso Nacional.
Por que o Governo quer tanto a reforma da Previdência?
Basicamente por três razões: a primeira é privatizar ou criar condições pra privatizar a previdência pública que é um desejo antigo do mercado. A segunda é uma visão de natureza fiscal, reduzir os gastos do governo com benefícios de natureza previdenciária. E a terceira é uma visão do governo de limitar a participação do Estado diretamente apenas à caridade, transferindo para o setor privado, para que ele possa ter lucro exercendo a prestação de serviço pro Estado. Uma visão liberal, uma visão fiscal e uma visão pró-mercado, de livre iniciativa, de estado mínimo, de visão neo-liberal
Existe realmente um rombo na previdência?
A previdência pública não tem rombo porque é um sistema de caráter solidário em que três partes devem participar de seu custeio. Os trabalhadores, os empregadores e o governo. O governo tem participado do custeio da previdência com menos de um terço dos custos previdenciários, portanto não há rombo de natureza alguma, cada um tá dando sua cota pra custear a previdência. É claro que considerando a pirâmide demográfica, o envelhecimento da população, é natural que haja ciclicamente atualização dos critérios de elegibilidade para o acesso ao benefício previdenciário, isso é feito no mundo inteiro, e no Brasil seria natural que se fizesse também, mas se faz para as futuras gerações. O que tá se fazendo é penalizando os atuais aposentados e aqueles com praticamente direito adquirido para se aposentar, fazendo uma reforma que não respeita expectativa de direito, nem direito acumulado, muito menos o direito daqueles que estão às vésperas de se aposentar. Então o correto seria uma reforma que pensasse para o futuro, mantivesse o caráter solidário também porque do modo como está sendo feito vai excluir do acesso ao benefício milhões de pessoas. Um exemplo: antes da reforma trabalhista, o trabalhador brasileiro como média conseguia comprovar a cada doze meses, nove meses de contribuição, porque em algum momento ele ficava desempregado. Com a reforma trabalhista, isso tende a se ampliar para algo como seis meses a cada ano, porque essas pessoas vão ser contratadas como PJ, trabalho intermitente, terceirizada, precarizada. Se é assim e o governo tá exigindo 40 anos pra integralidade do benefício, isso significa dizer que ele teria que trabalhar 80 anos pra comprovar 40 e ele não tem sobrevida pra isso, é um processo absolutamente absurdo que tem que ser revisto e fazer em bases mais realistas, mais consistentes e também respeitar a realidade brasileira que, por exemplo, o nível de adoecimento da população a partir de 60 anos é muito superior a varios outros países que adotam idade mínima mais elevada para efeito de aposentadoria. Então, tem que considerar uma série de aspecto que não estão sendo considerados. a crítica que se faz a reforma: ela retroage pra prejudicar quem já tá aposentado, prejudica quem tem direito adquirido, prejudica quem tá às vésperas da aposentadoria e mina as fontes de financiamento da previdência para o futuro. É isso que se está questionando: os objetivos da reforma e a perversidade com que está sendo adotada e não tem nenhuma preocupação de natureza social.
Quais os impactos específicos para o servidor público?
Vamos pegar primeiro os aposentados e pensionistas. Eles são impactados em três dimensões: primeira, há um aumento de imediato da contribuição com a progressividade. Segundo, há uma ampliação da incidência da contribuição, que atualmente ela incide a partir do teto do INSS e ela passará a incidir a partir de um salário mínimo. Terceiro, a possibilidade de adoção de uma contribuição extraordinária para os regimes próprios que forem comprovados como deficitário. Eu não conheço nenhum superavitário, então todos terão que contribuir. Então, o aposentado e o pensionista serão impactados nessas três dimensões e isso significa que terão menos renda em relação ao que têm hoje, porque terão que pagar mais sobre um benefício que já é pequeno. E se esse aposentado vier a falecer após a reforma aprovada, ele vai deixar pra viúva e dependentes uma pensão bem menor de que a que deixa atualmente. Atualmente você deixa até o teto do INSS integralmente e na parcela que recebe ao teto deixa 70%. Então, dependendo do salário, fica entre 90 e 80% da aposentadoria. Na nova regra, vai ficar 50% pra cota familiar e mais 10% para cada dependente. Como o detentor dessa cota familiar é também dependente, ele fica com 60%. A maioria das aposentadorias corresponderá a 60% da aposentadoria de quem veio a falecer ou da aposentadoria a que teria direito aquele que veio a falecer se ele faleceu em atividade ainda, sem que tenha se aposentado. É um impacto muito forte. Em relação aos ativos, eles vão ter aumento da contribuição, contribuição extraordinária, aumento do tempo de contribuição, redução do valor de benefício e aumento da idade mínima. Também são prejudicados em várias dimensões. E no caso daqueles que vão para a previdência complementar, que no caso do governo federal a partir de 2013 todos já entram ingressando a previdência complementar, essa previdência poderá ser gerida por banco seguradoras e o fundo de pensão deixa de ser uma entidade com função pública como é hoje, então a perversidade é muito grande. E no caso das pensões, como já disse, elas têm esse impacto muito grande e dependendo do salário, ela pode ser menor que um salário mínimo. É uma reforma extremamente dura para os trabalhadores e o governo alega que tem regra de transição, mas a regra de transição é muito perversa. Só pra dar um exemplo: a regra de transição dos trabalhadores do serviço público, pra ter direito a paridade e integralidade requer um pedágio de 100% do tempo que falta pra se aposentar. Além de idade minima fixada. Para os militares, esse pedágio é de 17 e pros detentores de mandato é de 30%. É justo isso? O servidor e o trabalhador de setor privado pagar o dobro desses outros dos segmentos detentores de mandatos e militares? É uma regra muito dura que tem esses impactos que eu mencionei.
Mesmo com tantas alterações em trechos da reforma, mulheres e trabalhadores do campo serão os mais prejudicados?
No caso das mulheres do serviço público, elas estã, como o homem, vinculadas ao requisito de 25 anos de contribuição para ambos os sexos. No caso do regime geral, que é o INSS, a regra transitória (não é a permanente) estabelece que a mulher pode se aposentar após 15 anos de contribuição e o homem após 20 anos. Então ela pode ter o acesso ao benefício aos 15 anos, se a regra que regulamenta esse benefício se mantiver assim, já que ela pode ser alterarada. O cálculo do benefício se dá da seguinte forma: a partir do décimo sexto ano se acrescenta 2% sobre os 60% relativos aos primeiros quinze anos, no caso da mulher. Então se ela se aposentar aos 15 anos de contribuição ela vai ter 60% do benefício a que teria direito, e essa regra é provisória, a qualquer momento pode ser mudada. Outro dado relevante é que a maioria das mulheres que já se aposentaram por tempo de contribuição, não comprovaram 20 anos, se aposentaram com menos de duas décadas de contribuição. Então, se a regra tivesse sido fixada em 20 ou em 25 ia excluir um contigente muito significativo de mulheres, então realmente tem uma penalisação. Os trabalhadores rurais, embora tenha se dito que foi mantida a idade mínima anterior, na verdade a forma de cálculo do benefício vai manter esse benfício no máximo em um salário mínimo, porque pode modificar essa forma de cálculo. Aquelas regras que tem alí, dizendo que só deve comprovar aos 20 anos no caso do homem e 15 no caso da mulher de trabalho para ter direito à aposentadoria, isso pode ser mudado a qualquer instante. Então o trabalhador rural vai ser prejudicado numa outra dimensão que é o fato de que embora ele possa se aposentar comprovando a atividade rural, antes quem comprovava era o sindicato, e agora deixou de ser e vai ser muito difícil comprovar. E o outro grupo de pessoas, que são os idosos e os deficientes, também vão ser prejudicados, aqueles que são beneficiários do BPC (benefício de pestação continuada), porque pela regra de hoje exige a idade mínima de 65 anos (que tá mantida na reforma), exige que a renda média da família seja de 1/4 do salário mínio e isso tá na reforma, só que tem uma diferença que é fundamental. Na lei hoje que definie a exigência de 1/4 de salário mínimo ela exclui, para esse efeito, outro benefício de prestação continuada. Isso quer dizer o seguinte: se você tem uma família que tem dois idosos e um deficiente, pela regra de hoje, os três terão direito ao benefício. Esses benefícios, essa renda, não se somam pra efeito desse 1/4 de salário mínimo. Como foi constitucionalizado sem essa ressalva, exige um 1/4 de salário mínimo apenas, sem a ressalva de que exclui os benefícios de prestação continuada, uma família com três (dois idosos e um deficiente) só um vai ter direito ao benefício. Então, também vai ser impactado embora os parlamentares tenham dito que mantiveram a mesma regra. Não mantiveram a mesma regra porque não mantiveram a exceção.
Como seria a reforma da previdência ideal?
Seria aquela que, em primeiro lugar, mantivessem as regras constitucionalizadas pra tentar estabilidade. Segundo, fosse mantido o critério de solidaderiedade intergeracional, a geração atual garantindo a aposentadoria das futuras, assegurando fonte de financiamento consistente pra financiar a previdente, porque hoje o financiamento está sobre a folha e esse financiamento não vai dar conta do benefício previdenciário no futuro. Teria que mudar essa fonte, teria que ter regra de transição generosa pra quem tá no sistema, pelo menos respeitando o direito acumulado. Se a pessoa tem 30 anos de contribuição, precisa de mais cinco? Em relação aos cinco, ela pagaria um pedágio, mas os outros 30 ela teria assegurado o cálculo do benefício nas regras anteriores da reforma. Então, seria uma reforma justa assim. Valer, a partir do momento que ela foi instituida, pra quem está no sistema e pra quem ainda não está no sistema, mas respeitando o direito acumulado e isso não está sendo feito. O objetivo é eminentemente fiscal e tem a finalidade de transferir renda dos mais pobres pros mais ricos. Você deixa de pagar benefício previdenciário, como tem o congelamento dos gastos públicos você não pode usar esse recurso com outra finalidade a não ser abater déficit ou fazer superar, você transfere esse recurso pra quem tem capacidade de poupança, aquele que é detentor da dívida pública porque a pessoa pode utilizar pra abater ou pagar juros da dívida. Isso tem uma consequência muito grave, que hoje no Brasil a previdência e a assistencia social são os responsáveis pela parte social. Pelo menos 3500 municípios no Brasil, o que se paga de benefício previdenciário lá, é superior a receita própria do município ou ao repasse do fundo de participação do município. Significa dizer que se dependesse do regime de capitalização esse município não teria poupança pra gerar tamanho retorno, isso só acontece por causa da solidariedade desse princípio da repartição. Então a previdência tem essa função de ser o maior programa de distribuição de renda e ser a responsável pela paz social do país. Do modo como tá sendo feita essa reforma, esse aspecto vai ficar extremamente prejudicado, muitos poucos profissionais vão ter acesso ao benefício, muitos poucos trabalhadores rurais vão poder se aposentar efetivamente, vai depender do benefício da assistência social e pra isso vai ter que se enquadrar naquele critério do 1/4 do salário mínimo de renda per capita. Resnstringe muito a renda, especialmente dessas regiões menos desenvolvidas, porque as pessoas não vão ter acesso ao benefício.