Miguel Otávio, filho negro de uma empregada doméstica, morreu sob os cuidados da patroa da mãe, Sarí Gaspar, quando caiu de um prédio luxuoso no Recife. A liberação de Sarí da delegacia, após o pagamento de uma fiança que custou R$ 20 mil, é o retrato do quão pouco tem valido vidas negras num país que tanto mata homens e mulheres pretos. É o retrato da discriminação, da negligência em sua face mais cruel: se fosse o inverso, a emprega displicente e o filho da patroa, quantos anos de prisão não pegaria a mulher?
A mãe do garoto, Mirtes, tinha ido passear com os cachorros da patroa, enquanto Miguel ficou no apartamento. Em gravações extraídas do sistema do condomínio, Sarí aparece conversando com Miguel no elevador, quando as portas se fecham e o menino desce no nono andar. Depois, ele escala uma grade que fica na ala do andar, e cai.
Na conjuntura atual, a manutenção das estruturas coloniais ainda imputa à mulher negra a servidão a uma elite que se exime de qualquer respeito e cumprimento de direitos. Na história de Miguel, os cachorros da patroa parecem valer mais de que a vida negra, reflexo de um racismo impregnado que pretende perpetuar superioridade branca a qualquer justo.
Em abril, os empregadores Sarí e seu marido, Sérgio Hacker (PSB), que é prefeito de Tamandaré, testaram positivo para o novo coronavírus, e mesmo assim continuaram obrigando Mirtes a trabalhar. Mirtes, Miguel e a mãe de Mirtes chegaram a também ter o vírus. Quantos mais no país da desigualdade não fazem o mesmo?
Que o racismo nos revolte, nos faça ocupar ruas e vielas, nos faça cobrar igualdade e respeito. Como tem sido por George Floyd, que injustamente perdeu a vida por repressão policial branca, essa que tanto insiste em matar.
Por Miguel, justiça! Vidas negras importam!